quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Artigo publicado na Revista RI Nº 124 Julho/Agosto 2008



Metas do Milênio: Temos um Plano B?
Convido a todos para uma reunião de alinhamento das metas do milênio e de, talvez, um possível aumento no prazo estabelecido para cumprirmos o planejamento integralmente.

Se pensarmos que somos todos de uma mesma organização, gigantesca a ponto de estarmos em todos os lugares do planeta, e que todos os seres humanos são profissionais em suas áreas específicas, devo lhes dizer que nossa empresa poderia estar à beira da falência porque não sabemos como se faz planejamento em longo prazo.

Pretensiosamente, resolvemos dar o passo maior que a perna e colocamos a empresa e todos os acionistas em risco. Como será quando chegarmos ao final do prazo estabelecido e descobrirmos, como se não soubéssemos, que não cumprimos nem metade do que prometemos?

A verdade é que, de forma bem amadora e apenas pensando em publicidade, assumimos objetivos que vão além de nossa capacidade de realização.

Seria muito simples se pensássemos que não temos concorrentes, nem tampouco almejamos a liderança; seríamos apenas nós, decidindo sobre nós mesmos. E o que fizemos até agora? Que resultados práticos alcançamos? Sabemos o quanto falta para atingir o objetivo final? Revimos as metas? Faremos ajustes no prazo estabelecido?

Minha opinião é de que devemos alongar o prazo para, quem sabe, o próximo milênio, e, assim, não estaríamos aqui para responder caso não obtivéssemos sucesso. Ou, então, o melhor é assumirmos nossa incompetência em gerir nossa empresa. Faço essa convocação extraordinária apenas para lembrar que chegamos à metade do prazo estabelecido e que precisamos urgentemente nos alinhar com as metas do milênio.

Para quem as esqueceu, aqui estão, uma a uma:
1. Acabar com a fome e a miséria;
2. Educação básica e de qualidade para todos;
3. Igualdade entre sexos e valorização da mulher;
4. Reduzir a mortalidade infantil;
5. Melhorar a saúde das gestantes;
6. Combater a Aids, a malária e outras doenças;
7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e
8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.

Se alguém tiver idéia do que fazer para cumpri-las em apenas sete anos, será promovido a presidente do conselho de administração de forma vitalícia e terá que tomar todas as decisões por nós. Lembro que a remuneração é variável de acordo com os objetivos alcançados.

Podemos fazer o seguinte: nos dividimos em grupos, cada um cuidando de uma meta específica e, ao final, teremos o Papai Noel nos entregando as chaves do paraíso. O que acham?

Não quero estar aqui para ver o que nossa companhia, que até hoje em seus relatórios usou o logotipo das metas para divulgar suas ações, dirá quando chegarmos em 2015. Vamos ser conscientes, nos reunir, então, para elaborarmos um pedido de desculpas formal dirigido a quem possa interessar.

Desculpem-me se levei as metas do milênio ao “pé da letra”. Inteligentes mesmo foram os países que não se comprometeram com total absurdo por terem a consciência de que jamais chegariam a tal propósito.

Alguns dados colhidos no documento “Situação Mundial da Infância 2007”, do Unicef, e no site do PNUD nos dão uma idéia da situação atual:
- A mutilação/corte genital feminino (M/CGF) envolve a remoção parcial ou total da genitália feminina e outras lesões. Estima-se que mais de 130 milhões de mulheres e meninas, ainda vivas, tenham sido submetidas à M/CGF.
- No norte da África, um em cada cinco trabalhadores é do sexo feminino, e essa proporção não muda há 15 anos.
- O Unicef prevê que o número de crianças que perderão um ou ambos os pais devido à Aids chegará a 15,7 milhões até 2010.
- Para cada 100 meninos fora da escola, há 115 meninas na mesma situação.
- Na América Latina e no Caribe, segundo o Unicef, crianças fora da escola somam 4,1 milhões.
- Em 2015, ainda haverá 30 milhões de crianças abaixo do peso no sul da Ásia e na África.
- A meta de reduzir em 50% o número de pessoas sem acesso à água potável deve ser cumprida, mas a de melhorar condições em favelas e bairros pobres está progredindo lentamente.
- Os países pobres pagam a cada dia o equivalente a US$ 100 milhões em serviço da dívida para os países ricos.

A maioria das companhias de capital aberto tem em sua missão o conceito da sustentabilidade e se não abdicassem dela em decorrência do lucro de curto prazo, talvez hoje estivéssemos em um mundo mais equilibrado – um ambiente sustentável em longo prazo implica dar a mesma importância para as questões socioambientais como se dá ao lucro. Porém, esse foco para o lucro não depende apenas das empresas, mas também da sociedade, que cobra delas, prioritariamente, resultados financeiros, como sendo esse o ideal de desenvolvimento.

A visão global do milênio e suas metas estão longe da sinceridade empresarial, longe até de um engajamento que lhes seja possível, de concepção realizável. O que quero lançar é um convite para deixarmos de lado a utopia e enxergarmos com seriedade os discursos e os fatos. Em vez de um futuro de fantasia, deveríamos planejar um futuro concreto e de resultados.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Comunicação para Quem ainda não É

Adquirimos ao longo da vida experiências cognitivas. Tudo aquilo que captamos no mundo nos ajuda a construir em nossas mentes um repertório suficiente para entendermos tudo, ou quase tudo, que está ao nosso redor.

Não é segredo para ninguém que nossas crianças passam cada vez mais tempo em frente à televisão, ao computador ou no celular do que com a família ou outras crianças. Porém, elas ainda não construíram repertório suficiente para discernir o que realmente lhes é bom ou ruim.

Como a comunicação de massa criou a sociedade do consumo usando artifícios para manipular as crianças e convencer os mais velhos?

As crianças não construíram um vasto repertório de palavras em seu vocabulário e já conseguem pedir uma boneca Barbie para os pais, ou então uma roupa da marca “tal” para ficarem parecidas com um grupo musical que elas nem entendem o que estão cantando. Um menino consegue convencer seus pais a comprar um pokémon (palavra que o corretor de texto do word sabe corrigir) e, com uma velocidade espantosa, se desfazer do brinquedo para adquirir uma versão mais moderna e que possui mais poderes.

Quem nunca se viu brigando com um colega na escola para imitar a cena de um filme de luta ou meninas se maquiando e se vestindo como as mulheres da TV?

Por que corporações poderosas têm em sua estratégia trazer para si consumidores cada vez mais novos e com menos juízo de decisão sobre o que é bom ou ruim?

A publicidade se torna abusiva quando tenta atingir esse público; ela quer, com isso, fidelizá-lo, para que no futuro essas crianças sejam potenciais consumidores de uma gama de produtos que pertencem a uma mesma organização e que servem, também, para difundir conceitos ideológicos.

Nike, Coca-Cola e Nestlé são capazes de vender não só seus produtos, eles criam uma atmosfera que vai ao longo do tempo fazendo com que não vivamos mais sem eles.

Um produto que contribui para a nutrição infantil pertence à mesma organização que oferece um isotônico para a prática esportiva dos jovens e que também é dona de uma barra de cereal para a correria do seu dia-a-dia.

A televisão e, também, o cinema conseguem difundir ideais que ao longo do tempo servem de base para a construção de um pensamento básico e comum a todos. É um exercício de massificação e condicionamento silencioso a que se refere Ignacio Ramonet, em seu livro Propagandas Silenciosas. Em que ponto deixa de ser propaganda comercial e vira publicidade com fins ideológicos? Precisamos entender as sutilezas por trás de tudo que nos é oferecido, o que consumimos é apenas a ponta do iceberg; existem intenções que vão além de nossas fronteiras culturais e políticas. (1)

O caso das histórias em quadrinhos da Walt Disney é um exemplo clássico de manipulação com fins ideológicos. Se, antigamente para colonizar um país, bastava ser o primeiro a descobri-lo e com força armada e “inteligência” passar a explorá-lo em toda a sua extensão, isso já não funciona nos nossos tempos, até por que não temos mais terras a serem descobertas e exploradas senão em outros planetas.

Como difundir a cultura de um país nos tempos atuais de forma a se impor? Daí entra o que chamo de colonialismo contemporâneo a que se referem Ariel Dorfman e Armand Mattelart em sua crítica ferrenha aos americanos e em especial a Walt Disney. (2)

(1) Romanet, Ignacio. Propagandas Silenciosas.
(2) Dorfman, Ariel e Mattelart, Armand. Para Ler o Pato Donald - Comunicação de Massa e Colonialismo.

http://www.criancaseconsumo.org.br/