Convido a todos para uma reunião de alinhamento das metas do milênio e de, talvez, um possível aumento no prazo estabelecido para cumprirmos o planejamento integralmente.
Pretensiosamente, resolvemos dar o passo maior que a perna e colocamos a empresa e todos os acionistas em risco. Como será quando chegarmos ao final do prazo estabelecido e descobrirmos, como se não soubéssemos, que não cumprimos nem metade do que prometemos?
A verdade é que, de forma bem amadora e apenas pensando em publicidade, assumimos objetivos que vão além de nossa capacidade de realização.
Seria muito simples se pensássemos que não temos concorrentes, nem tampouco almejamos a liderança; seríamos apenas nós, decidindo sobre nós mesmos. E o que fizemos até agora? Que resultados práticos alcançamos? Sabemos o quanto falta para atingir o objetivo final? Revimos as metas? Faremos ajustes no prazo estabelecido?
Minha opinião é de que devemos alongar o prazo para, quem sabe, o próximo milênio, e, assim, não estaríamos aqui para responder caso não obtivéssemos sucesso. Ou, então, o melhor é assumirmos nossa incompetência em gerir nossa empresa. Faço essa convocação extraordinária apenas para lembrar que chegamos à metade do prazo estabelecido e que precisamos urgentemente nos alinhar com as metas do milênio.
Para quem as esqueceu, aqui estão, uma a uma:
1. Acabar com a fome e a miséria;
2. Educação básica e de qualidade para todos;
3. Igualdade entre sexos e valorização da mulher;
4. Reduzir a mortalidade infantil;
5. Melhorar a saúde das gestantes;
6. Combater a Aids, a malária e outras doenças;
7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e
8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.
Se alguém tiver idéia do que fazer para cumpri-las em apenas sete anos, será promovido a presidente do conselho de administração de forma vitalícia e terá que tomar todas as decisões por nós. Lembro que a remuneração é variável de acordo com os objetivos alcançados.
Podemos fazer o seguinte: nos dividimos em grupos, cada um cuidando de uma meta específica e, ao final, teremos o Papai Noel nos entregando as chaves do paraíso. O que acham?
Não quero estar aqui para ver o que nossa companhia, que até hoje em seus relatórios usou o logotipo das metas para divulgar suas ações, dirá quando chegarmos em 2015. Vamos ser conscientes, nos reunir, então, para elaborarmos um pedido de desculpas formal dirigido a quem possa interessar.
Desculpem-me se levei as metas do milênio ao “pé da letra”. Inteligentes mesmo foram os países que não se comprometeram com total absurdo por terem a consciência de que jamais chegariam a tal propósito.
Alguns dados colhidos no documento “Situação Mundial da Infância 2007”, do Unicef, e no site do PNUD nos dão uma idéia da situação atual:
- A mutilação/corte genital feminino (M/CGF) envolve a remoção parcial ou total da genitália feminina e outras lesões. Estima-se que mais de 130 milhões de mulheres e meninas, ainda vivas, tenham sido submetidas à M/CGF.
- No norte da África, um em cada cinco trabalhadores é do sexo feminino, e essa proporção não muda há 15 anos.
- O Unicef prevê que o número de crianças que perderão um ou ambos os pais devido à Aids chegará a 15,7 milhões até 2010.
- Para cada 100 meninos fora da escola, há 115 meninas na mesma situação.
- Na América Latina e no Caribe, segundo o Unicef, crianças fora da escola somam 4,1 milhões.
- Em 2015, ainda haverá 30 milhões de crianças abaixo do peso no sul da Ásia e na África.
- A meta de reduzir em 50% o número de pessoas sem acesso à água potável deve ser cumprida, mas a de melhorar condições em favelas e bairros pobres está progredindo lentamente.
- Os países pobres pagam a cada dia o equivalente a US$ 100 milhões em serviço da dívida para os países ricos.
A maioria das companhias de capital aberto tem em sua missão o conceito da sustentabilidade e se não abdicassem dela em decorrência do lucro de curto prazo, talvez hoje estivéssemos em um mundo mais equilibrado – um ambiente sustentável em longo prazo implica dar a mesma importância para as questões socioambientais como se dá ao lucro. Porém, esse foco para o lucro não depende apenas das empresas, mas também da sociedade, que cobra delas, prioritariamente, resultados financeiros, como sendo esse o ideal de desenvolvimento.
A visão global do milênio e suas metas estão longe da sinceridade empresarial, longe até de um engajamento que lhes seja possível, de concepção realizável. O que quero lançar é um convite para deixarmos de lado a utopia e enxergarmos com seriedade os discursos e os fatos. Em vez de um futuro de fantasia, deveríamos planejar um futuro concreto e de resultados.