segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira: Uma análise do uso excessivo do “branco” na fotografia

O branco que traz a paz, que conforta e que eleva é o mesmo
que te coloca na angústia e na escuridão das
reflexões mais profundas e, antes, inconcebíveis.

Esta análise se apoiará na semiologia para tentar explicar o elemento “branco” utilizado na fotografia do filme Ensaio sobre a Cegueira.

Ainda que as sensações não necessariamente se refletem em todos os espectadores da mesma forma, visto que as mediações acontecem cada qual com seu próprio indivíduo, podendo eu, inclusive, fazer parte desse processo, tentarei defender que o uso desse elemento contribuiu de forma decisiva para o resultado final da obra.

A história é forte o suficiente para desarrumar qualquer um. Não é possível não sentir um desconforto ao se deparar com essa obra. O motivo de todo o caos é a “Cegueira Branca” que atinge a todos. No filme, esse enredo ganha um reforço que considero importante, por exemplo, para que o espectador não fuja de sentir a mesma sensação que os personagens. Arrisco dizer que, apesar de as duas formas (livro e filme) serem abertas para diferentes mediações, no filme é possível perceber um condicionamento da sensação do espectador.

Esse condicionamento acontece de forma contrária ao que imaginamos ser a deficiência visual. É de consenso que ao ficarmos cego nos imaginamos na escuridão, no negro. Essa sensação é diariamente percebida ao fecharmos os olhos. A cor preta indica na maioria das vezes uma atitude negativa muitas vezes ligada à noite e morte e de forma afetiva à depressão.

Porém, acontece no filme o uso de imagens com saturação do branco e em alguns momentos num branco total. Há aqui uma quebra de paradigma muito forte, pois o branco em nossa sociedade não é visto como uma cor que causa essa angústia de nos tornarmos cegos. O branco é comunhão e casamento; possui também uma ligação com a pureza e religiosidade.

Com base em teorias que se ocupam de explicar as relações do ser humano com as cores em seus processos psicológicos ou fisiológicos, faço uma menção ao que alguns teóricos formularam sobre as cores: assim como o preto, o branco seria a ausência ou não de luz, não existindo, portanto, como cor. Todos nós já passamos pela experiência de nos sentirmos momentaneamente cegos, ao sairmos de um lugar intensamente iluminado e passarmos para outro totalmente escuro. Sabemos que, depois de certo tempo, começamos a perceber fracamente os objetos. Temos até a impressão de que eles estão sendo gradualmente iluminados. (1)

O filme é genial nesse ponto porque joga para longe a percepção que temos do branco, nos causa uma nova sensação retirando a referência que tínhamos. Há uma cena em que uma personagem está olhando para o céu em uma parte da imagem toda branca; ela, nesse momento, fica aflita achando que também tinha contraído a doença. No entanto, ao baixar a visão percebe que não estava cega e se alivia ao perceber que enxerga, ainda que um mundo destruído em todas as suas concepções atuais.

Essa quebra de referenciais nos faz deslocar ainda mais a atenção para a discussão principal do filme. Fazendo um paralelo com o que Charles S. Pierce formulou para se obter um conhecimento implícito de algo, o filme nos leva à condição primária de receber novos signos à medida que desfaz todos os outros formulados e aceitos pela nossa sociedade. A fase de primeiridade aparece quase sozinha na obra, desfazendo o processo contínuo de recepção e “aprendizado” de signos.

A todo instante, deparamo-nos com quebras sucessivas de concepções das mais diversas formas. Do ponto de vista de uma análise semiológica, o uso excessivo, porém pertinente do branco reforça o propósito da obra original que é sobretudo uma crítica social.

(1) Trecho retirado do livro: Farina, Modesto. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. 4ª edição, 1990 e 7ª reimpressão, 2005. Usado também como consulta em outros momentos dessa análise.

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